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segunda-feira, dezembro 28, 2009

NAVIOS NEGREIROS

Naufrágios e Malárias e Cheias e Vazantes na Amazônia, são fenômenos endêmicos há séculos. Acompanhei pelos noticiários dos veículos de comunicação os relatos das autoridades e dos sobreviventes de mais um naufrágio na região amazônica, acontecido no dia 21 de dezembro de 2009 com o Barco Motor Almirante Barroso que tombou ao bater num banco de areia, próximo a cidade de Monte Alegre/Pará, no Rio Amazonas. É grande o registro destes naufrágios nas bacias dos rios Amazonas e Negro. Anualmente, contingentes consideráveis de vidas humanas são ceifadas por afogamentos ou devoradas pelos peixes, sem que sejam indiciados e condenados os responsáveis por estes trágicos acidentes. Umas das causas frequentemente apontadas pelas autoridades e pelos sobreviventes é a superlotação. Os barcos geralmente carregam um número muito maior de passageiros e todos os tipos possíveis de cargas acima do permitido pelas normas de navegação nos rios da Região Norte. Para o cidadão comum torna-se fácil apontar os maiores responsáveis por estas tragédias amazônicas – os armadores inescrupulosos; os comandantes dos barcos que são coniventes com a ganância dos armadores; a Capitania dos Portos que não fiscaliza; a certeza da impunidade; obsoleta tecnologia usada na construção dos barcos; e a imperícia dos timoneiros. Navegam nas águas dos rios amazônicos uma das maiores frotas de barcos do mundo em água-doce, portanto, torna-se inaceitável a Capitania dos Portos, seja do Estado do Amazonas ou do Pará, dizerem que não tem recursos para fiscalizar tamanha frota. Assim justificando, mostram o tamanho do atraso, da inércia, ausência e descaso do Estado brasileiro. Cite-se o Ministro dos Transportes Alfredo Nascimento e os Capitães dos Portos destes importantes Estados. Os armadores movidos pela inconsciência e insaciável desejo do lucro, não medem as consequências, autorizando que barcos de suas propriedades naveguem com cargas acima do permitido, junte-se a este caos a certeza da impunidade. Não se tem conhecimento da responsabilização e condenação de armadores por estes acidentes, os condenados são os mortos e as famílias que perdem seus provedores e entes queridos. Condeno o mercantilismo dos armadores, mas também compreendo que vivemos num mundo capitalista, pressionados pela lógica perversa do ‘ter’cada vez mais e ‘ser’ cada vez menos, o que interessa é o lucro. O sistema hidroviário amazônico vive uma dicotomia – A Capitania dos Portos faz que fiscaliza e os armadores fazem que cumprem as normas. Seria cômico se não fosse trágico e vergonhoso, o que ocorre nos portos improvisados ou não, dos Estados do Amazonas e do Pará, nos períodos de comemorações de festas regionais e nacionais. Como percepção desta realidade, cito como exemplo, o improvisado acesso de passageiros rotulado Manaus Moderna que de moderno nada tem, afronta todos os conceitos de engenharia, urbanidade e respeito à cidadania, como também o Porto Privado de Manaus, antigo rodway da Manaós Harbour Limited. Centenas de barcos atracados no terminal flutuante e milhares de passageiros embarcando, comprimindo-se, acotovelando-se, disputando um micro-espaço em redes, instalando-se uns ao lado dos outros como se fosse gado num reduzido piquete, com péssimas condições de higiene e ventilação e o pior, com reduzidíssimas condições de segurança. Este cenário induz alusão ao óleo sobre tela ‘Guernica’ do pintor espanhol Pablo Picasso e, mais latente em nossa história e entranhas, aos Navios Negreiros. Por que não se faz a fiscalização no píer evitando a superlotação? Como se explica a ausência da Capitania dos Portos no píer? Não fiscalizar interessa somente aos armadores ou serve a outros interesses? Por que dispensar este tratamento aos usuários como se fossem cidadãos de segunda? Quando serão ouvidos os gritos roucos destes irmãos quando pedem socorro? Quando serão punidos os responsáveis por estes trágicos acidentes? Os brasileirinhos do Norte do Brasil não têm outras condições viáveis e econômicas para transitarem na região, os rios são as estradas deste grande Continente Aquático. A Justiça no Brasil precisa ser desvendada, quando cair à máscara conseguirá dar a cada um o seu quinhão, enxergará a todos sem distinções de cor, credos, raças, religiões e poder econômico. Torna-se cada vez mais inaceitável a continuação da Odisséia de Náufragos Latinos.
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